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ARTIGO

O que a pandemia me ensinou sobre a qualidade da convivência humana

Por Quitéria Péres

24/02/2021 09h54
Por: Redação
Fonte: Quitéria Péres
Dra. Quitéria Péres
Dra. Quitéria Péres

Num dia, ouvimos falar sobre um vírus desconhecido que estava se espalhando pelo mundo, deixando a todos preocupados. No outro, descortinou-se uma nova realidade de vida: nos isolamos em nosso lar, fizemos da máscara uma acessório inseparável, transformamos nossa casa num home office, confraternizamos por videoconferência. Enfim, experimentamos, sem escolha, um novo modelo de vida. 

Neste novo modelo de vida, caracterizado pelo isolamento social, tivemos a oportunidade de reavaliar nossas necessidades. Mais do que nunca, percebemos que o que falta para a humanidade é exatamente o que menos temos oferecido às pessoas: tempo. Afinal, é este nosso bem mais precioso que estamos dedicando a alguém quando nos dispomos a escutá-lo, permitindo que desabafe suas inquietações, compartilhe suas dificuldades e confidencie seus medos. Quando isso acontece, tanto a pessoa que fala se fortalece, quanto a que escuta, pois ambos se beneficiam dos efeitos emocionais desta conexão, a qual naturalmente repercute na qualidade dos relacionamentos. 

Ocorre que, antes, a lógica da velocidade havia tomado conta de nossa agenda, fazendo com que tivéssemos tantos compromissos e tarefas a cumprir, tanto aprendizado a obter e tantas metas a alcançar que as 24 (vinte e quatro) horas do dia não pareciam mais suficientes. Não à toa, as pessoas dormiam cada vez menos e gerenciavam sua rotina com a constante sensação de estarem atrasadas, em déficit com as expectativas do mundo. Resta saber quais eram as suas expectativas, os seus sonhos, as suas necessidades. Por mais incrível que pareça, justificando a falta de tempo, há pessoas que chegam no auge de sua mais avançada idade sem nunca ter respondido estas perguntas. Aliás, há quem nunca se dê conta disso. 

A Pandemia COVID-19 fez de nossos lares um universo e do relógio o marco de um tempo diferente, cujas frações, assim entendidas como os intervalos do dia fatiados em horas e minutos, passaram a ser mais valorizadas quando investidas naquilo que realmente importa. Mas, o que realmente importa? De repente, percebemos que não dá para adiar mais esta resposta, pois a devemos a nós próprios. E, então, num sobressalto, nos damos conta de que importa conversar com a pessoa amada, sem interrompê-la, sem julgá-la, sem apontar caminhos ou soluções, limitando-nos a contemplá-la durante sua fala com o mesmo encantamento de outrora; importa assistir um filme juntinho dos filhos no sofá, entregando-se à criança que um dia fomos (e que, sabemos, ainda habita em nós); importa preparar um prato inédito em casa, fazendo da cozinha um ambiente de convivência propício à nutrição não só física, mas também emocional. 

Tudo isso nos proporcionou aprendizados que jamais teriam sido alcançados sem que admitíssemos que a qualidade da convivência está diretamente relacionada ao nosso estado de bem-estar, de equilíbrio e de felicidade, seja em relação às pessoas com as quais nos relacionamos em nosso lar, seja em nosso trabalho, em nosso condomínio ou em nossa escola, enfim, nos diferentes cenários onde somos mais que pais, esposos, funcionários, vizinhos ou alunos: somos seres humanos. Basta reconhecermos isso para nos identificarmos com as outras pessoas e compreendermos que nossas necessidades humanas são universais, pois todos, indistintamente, precisamos de atenção, amor, carinho, saúde, lazer, perdão, valorização, recursos financeiros, compreensão, solidariedade, etc. Em sendo assim, sabendo quais são as necessidades das outras pessoas, não é difícil assumir uma postura compatível de modo a atendê-las sempre e quando for possível, valendo lembrar que o recurso essencial empregado será o tempo, justamente o que constitui e, quando dedicado ao outro, dá sentido à vida. 

Experimente agir assim por um momento, e não estranhe se, surpreendentemente, perceber que suas necessidades também estarão sendo gradativamente atendidas. Este é o reflexo da cura contra a imunidade ao sentimento do outro. Mais que isso, é um verdadeiro caminho de resgate à reumanização capaz de oxigenar nossa convivência para que seja saudável, construtiva e harmoniosa. 

Isso a Pandemia me ensinou.

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