Em tempos de pandemia de covid-19, outras importantes questões do nosso dia-a-dia passam quase que desapercebidas, tamanho é o bombardeio de informações que recebemos todos os dias sobre a evolução da doença, principalmente em nosso país. Uma destas questões é o trânsito, que vem sofrendo uma série de impactos, dentre eles; a suspensão do transporte coletivo seja municipal, inter-municipal e inter-estadual, aumento significativo de alguns modais de veículos nas nossas vias (principalmente bicicletas e motocicletas), dentre outros. Falando especificamente do aumento destes veículos citados, questionemo-nos: estamos tendo uma boa convivência no trânsito? Muito além de seguir as leis e regras, estamos realmente sendo defensivos no trânsito? Saiba, que estas duas simples perguntas, não saem da cabeça de nenhum educador de trânsito, e com a pandemia, o desafio ficou ainda maior. Pois, os profissionais que atuam nesta área tiveram que se reinventar para a nova realidade, que ao que parece, veio para ficar.
A reflexão que devemos fazer é muito mais profunda do que parece, afinal, o trânsito não é composto por carros, motos, bicicletas, pedestres e as vias. Atrás do volante do carro, em cima da moto e da bicicleta, dentro do ônibus, andando sob uma calçada, nós temos PESSOAS, e é para as pessoas que devemos pensar o nosso trânsito. Desta forma, podemos afirmar que o trânsito é um fenômeno social, e se trabalharmos com esta ótica, é possível que um dia, o Brasil tenha números para se orgulhar e não para lamentar.
Se estamos tratando o trânsito como fenômeno social, de que forma frear as mais de 40 mil mortes/ano no país? Como evitar que cerca de 400 mil pessoas fiquem com sequelas de acidentes de trânsito anualmente? O desafio é do tamanho do Brasil; de dimensões continentais, e infelizmente não temos a receita pronta para isso. Países que são exemplos de segurança viária, como a Suécia e o Japão, conseguiram trabalhar esta questão dentro das suas realidades locais, mas será que se simplesmente tentarmos copiar e implantar em terras tupiniquins, vai funcionar?
A legislação de trânsito aqui no Brasil, que engloba o Código de Trânsito Brasileiro – CTB, criado em 1997 e as resoluções do CONTRAN, é considerada uma das mais avançadas do mundo. Então, teoricamente não deveríamos ter a realidade que temos no trânsito brasileiro, não é mesmo? Pois bem, é agora que começamos a entender o nosso desafio “continental”. Apesar de termos o CTB e as resoluções do CONTRAN, que valem em todo o território nacional, nós temos 27 realidades diferentes no trânsito dos Estados brasileiros. Eis aqui um pequeno exemplo disto: enquanto Blumenau tem sérios gargalos, uma malha viária que não dá conta do crescimento acelerado da frota de veículos, uma malha ciclo viária insuficiente e uma novela interminável com as rodovias estadual e federal que passam pela cidade, o município de Mataraca, que fica na divisa entre os estados da Paraíba e Rio Grande do Norte, tem um elevado número de mortes de motociclistas. Motivo: As pessoas compram as motocicletas para os mais variados fins, principalmente de trabalho. O grande problema, é que as mesmas não tem CNH ou qualquer preparo para conduzir a motocicleta, e muito menos utilizam o capacete, que é item obrigatório. Uma das medidas pra reduzir o número de óbitos e acidentes, foi a instalação das primeiras placas de trânsito, realizada pela administração municipal local em novembro de 2019. Em outras cidades da região Norte e Nordeste do Brasil, o absurdo é ainda maior, pois, as câmaras de vereadores aprovam leis que proíbem o uso do capacete e mais de um ocupante em cima das motocicletas, para diminuir o número de assaltos cometidos, por exemplo. Ou seja; o que está ruim, sempre pode piorar.
Perceba caro leitor, o abismo das realidades que temos no nosso país. Este cenário poderia ser revertido, se a educação para o trânsito fosse levada a sério no Brasil, o que infelizmente não ocorre. O CTB é claro nos artigos 74 ( A educação para o trânsito é direito de todos e constitui dever prioritário para os componentes do Sistema Nacional de Trânsito), e 76 (A educação para o trânsito será promovida na pré-escola e nas escolas de 1º, 2º e 3º graus, por meio de planejamento e ações coordenadas entre os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito e de Educação, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nas respectivas áreas de atuação). Apesar da lei ser clara, esta não é a realidade que nós temos Brasil afora. O que se vê, são os municípios através das escolas públicas de trânsito, trabalhando de forma isolada e na maioria das vezes, sem os recursos necessários para a realização deste árduo trabalho. Só conseguiremos mudar este cenário, quando em todas as esferas, tanto de governo como na sociedade, todos nós encararmos este desafio, construindo de forma coordenada o nosso plano de educação para o trânsito. Afinal de contas, é preparando o cidadão de forma adequada e comprometida, que atingiremos estes utópicos, mas não impossíveis, objetivos.
Marco Rebello - Educador social, Coordenador de educação para o trânsito de Blumenau – Secretaria municipal de trânsito e transportes, Membro titular da câmara temática de educação e saúde para o Trânsito do Conselho nacional de trânsito (CONTRAN).
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