"O risco em Petrópolis era muito alto. O local estava instável pela quantidade de chuvas, e qualquer outra chuva poderia causar novos deslizamentos, inclusive onde estávamos trabalhando”. Esse foi o difícil cenário enfrentado pelo 3º Sargento Jacques Douglas Romão em Petrópolis, no Rio de Janeiro, durante as ações de busca e resgate de corpos soterrados por uma das maiores catástrofes naturais da história do Brasil.
Em 15 de fevereiro deste ano, fortes chuvas atingiram a Serra Fluminense e causaram inúmeros deslizamentos de terra, que provocaram a morte de mais de 240 pessoas. Em razão do tamanho da catástrofe, o 3° Batalhão de Bombeiros Militar (3° BBM), da região de Blumenau, enviou dois especialistas em busca com cães para auxiliar nos trabalhos a pedido do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ): o Sargento Romão (Blumenau) e o Cabo Carlos Alexandre De Souza (Brusque), acompanhados dos labradores Bravo e Zaara. Os binômios, como são chamadas as duplas de bombeiro e cão, são um dos melhores recursos disponíveis para operações em deslizamentos de terra.
Em reconhecimento à bravura e pelo apoio prestado ao Rio de Janeiro durante os 16 dias de buscas e resgates, os bombeiros militares e cães que participaram da operação receberam uma moção de aplausos na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Além disso, o Sargento Romão e o Cabo De Souza foram indicados para receber a medalha “Avante, Bombeiro” do CBMRJ.
A Operação
A primeira equipe do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC) chegou em Petrópolis no dia 19 de fevereiro. Por ser referência nacional na busca e resgate de vítimas em tragédias envolvendo deslizamentos de terra, os binômios catarinenses foram enviados para as áreas onde o trabalho era mais complexo. “Quando chegamos já colocaram a nossa equipe em um local de muito risco, pois sabiam da qualidade dos cães catarinenses e do que eles podiam fazer”, descreveu o sargento Romão sobre o início das buscas.
Juntas, as duas equipes do CBMSC enviadas para a Operação Petrópolis totalizaram 17 militares e 12 cães de busca. Entre os dias 19 de fevereiro e 6 de março, os binômios catarinenses trabalharam incansavelmente para encontrar 16 vítimas, além de diversos segmentos humanos.
Binômios como os formados pelo Sargento Romão e Bravo e pelo Cabo De Souza e Zara ficaram empenhados em diversas áreas da cidade para encontrar vítimas por meio do olfato apurado e treinado dos cães. Os bombeiros embasaram suas estratégias de atuação a partir de informações de pessoas que apontaram onde ficavam suas casas. Dessa forma os bombeiros delimitavam as áreas de busca onde os cães poderiam encontrar vítimas soterradas, mas o trabalho foi árduo.
“Como o solo continuava saturado e o tempo era muito instável, com qualquer chuva que caía precisávamos sair do local, pois havia o risco de novos deslizamentos”, pondera o Sargento Romão sobre o andamento das buscas. Durante os dias em que estiveram em Petrópolis, os binômios percorreram diversos locais deslizados, entraram em estruturas colapsadas e enfrentaram a lama e os perigos do ambiente instável e repleto de escombros em que pisavam.
O binômio blumenauense
O binômio formado pelo 3° Sargento Romão e o labrador retriever Bravo já havia atuado em catástrofes como a de Brumadinho, em 2019, e Presidente Getúlio, em 2020. Apesar da experiência, o bombeiro explica que a situação em Petrópolis foi a que mais o impressionou em sua trajetória militar, pois “o risco era muito alto e o tipo de vítimas também chamava a atenção, pela quantidade de crianças e idosos”.
“É um tipo de ocorrência que o treinamento é muito difícil de reproduzir a situação real, pois não temos como simular catástrofes como essas em ambiente controlado, então vamos nos adaptando durante a ocorrência”, esclareceu Romão sobre o andamento de buscas e resgates em cenários como os enfrentados pelo binômio nos últimos anos.
Certificado pelo Curso de Bombeiro Cinotécnico, o 3° Sargento Romão e o cão Bravo estão aptos desde 2015 para atuar juntos em operações de busca e resgate, onde os cães usam seu faro apurado para identificar os locais onde as vítimas podem estar soterradas pela lama.
A trajetória de Romão com os cães e a cinotecnia iniciou em 2010, quando ainda estava na escola de soldados. Ao comparecer a uma formatura da Força-Tarefa, teve o primeiro contato com os cães do CBMSC. “Eu vi aqueles cães e isso me impressionou”, recordou ele sobre a experiência. Ao final do curso de soldado, Romão optou então por trabalhar em Xanxerê, referência no estado no treinamento com cães. O 3° Sargento atuou na cidade por oito anos, e foi em 2014 que recebeu Bravo.
Treinamento de cães de busca
O treinamento dos cães do CBMSC inicia ainda quando são filhotes. Nos primeiros dias de vida, o cachorro é selecionado a partir de sua disposição, sociabilidade e coragem. Desde o desmame, ele é entregue ao condutor. Diferente de outros estados, em Santa Catarina os cães vivem nas casas de seus condutores e são treinados diariamente até sua aposentadoria.
Bravo passou por treinamento para se tornar um especialista na técnica de venteio, que utiliza o faro apurado na busca por partículas de odor de pessoas desaparecidas, vivas ou mortas. Após 18 meses de treinamento — o mínimo que os cães precisam para participar de uma prova de certificação — ele recebeu a aprovação internacional de busca e resgate, sendo um dos poucos cães do Brasil a conseguir o feito com a idade mínima. Em toda a sua vida, Bravo já foi aprovado em 12 certificações.
Após o sucesso nos testes, cães como o Bravo acompanham os bombeiros em diferentes tipos de ocorrências, como localização de vítimas perdidas na mata e em áreas rurais, soterradas em deslizamentos ou presas em estruturas colapsadas.
Atualmente, o sargento Romão, empenhado em contribuir com o avanço da cinotecnia de Santa Catarina, está trabalhando em uma técnica pioneira no estado e com uma raça diferente do labrador. Já com um ano de idade, o Fogo, um rastreador-brasileiro, está sendo treinado em uma nova modalidade de busca entre os binômios de Santa Catarina: a de odor específico.
Nessa busca, diferente do venteio, os cães procuram pelo cheiro de uma vítima, que pode ser sentido em uma camiseta ou em outro objeto particular. Além disso, essa técnica costuma partir do último ponto onde a vítima foi vista, assim, o cão consegue seguir os rastros deixados pela pessoa em uma trilha na mata, por exemplo.
Junto do Cabo Moisés Kluska (Canoinhas) e do cão Poshuk, Romão e Fogo são pioneiros nessa técnica no estado. Com a combinação das duas modalidades, o sargento afirma que o atendimento dos binômios e dos bombeiros militares no estado, e também fora dele, pode ser ainda melhor. Isso porque a combinação do venteio e do odor específico permitirá realizar a busca simultânea de formas diferentes e aumentar a probabilidade de encontrar as vítimas. Entretanto, Fogo e Poshuk ainda estão nos primeiros meses de treinamento e só poderão atuar oficialmente quando forem certificados.
Sensação
Vento
Umidade