Um novo capítulo na história da Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira começou a ser escrito a partir de hoje, tendo terras catarinenses como cenário de fundo, mais precisamente o Aeroporto Internacional Ministro Victor Konder (NVT/SBNF), localizado na cidade de Navegantes. Na tarde do dia 24/9 a aeronave F-39E Gripen com a matrícula FAB 4100 ganhou pela primeira vez o céu brasileiro, com destino às instalações da Embraer Defesa e Segurança em Gavião Peixoto (GPX/SBGP), interior de São Paulo, dando prosseguimento ao longo período de avaliações e ensaios iniciado na Suécia no ano passado, a fim de cumprir os requisitos necessários para o desenvolvimento do avião. O blog Aviação em Floripa não poderia deixar passar em branco este marco para a FAB e para a indústria aeronáutica brasileira, sendo assim, estivemos em Navegantes durante esta semana e acompanhamos da melhor forma possível todos os detalhes deste momento histórico. Como resultado, brindamos nossos leitores com esta matéria super especial. Boa leitura!
Nota Editorial: Devido à grande quantidade de eventos relacionados à chegada do Gripen a Santa Catarina na última semana, não foi possível estar presente em todos eles, entretanto, contamos com a colaboração de amigos que gentilmente nos cederam algumas fotos. Além disso, algumas etapas foram com acesso restrito, sem a presença da imprensa e, nesse caso, utilizamos imagens oficiais divulgadas pelos canais oficiais que julgamos serem relevantes com o contexto da matéria. Convém ressaltar que esta exceção na forma como o blog Aviação em Floripa publica seus conteúdos foi feita única e exclusivamente, diante da importância do fato histórico, com o intuito de levar ao nosso público sempre a melhor e mais completa informação.
Antes do ar, por mar e terra
A longa viagem do F-39 Gripen (c/n 39-6001) até Santa Catarina teve início em 29 de agosto a partir do porto sueco de Norköping, localizado na região sudeste do país e distante cerca de 40 quilômetros de Linköping, onde fica o Centro de Testes da Saab. A aeronave foi embarcada no navio cargueiro MV Elke com bandeira de Antígua e Barbuda, fretado exclusivamente para esta empreitada, chegando ao Complexo Portuário de Itajaí e Navegantes na manhã do dia 20 de setembro. O avião veio completamente montado, apenas sem o assento ejetável, apoiado sobre uma estrutura metálica própria para seu transporte. Ainda na tarde de Domingo ocorreu o procedimento de retirada do navio e após os trâmites alfandegários, o Gripen seguiu rebocado pelas ruas da cidade até o aeroporto (distante cerca de 2,5 quilômetros), entrando por um portão localizado junto à cabeceira 07 da pista do aeroporto, numa operação que transcorreu sob forte esquema de segurança durante a madrugada de terça-feira, a fim de não causar transtornos ao trânsito e evitar a presença de curiosos, mesmo assim, um grande número de pessoas acompanhou o trajeto. Diga-se de passagem, esta proximidade entre as duas instalações foi preponderante para a escolha de Navegantes como porta de entrada do avião no Brasil, não apenas para este primeiro avião, mas especula-se que os demais exemplares destinados à FAB fabricados na Suécia, deverão seguir o mesmo itinerário e modo de entrega.
Embora a viagem de navio entre a Suécia e o Brasil seja demorada (cerca de 3 semanas de navegação), é fato que ela se mostra muito mais segura do que fazer um voo desta natureza por meios próprios. Por se tratar de uma aeronave ainda em fase de testes, monomotora e com capacidade limitada de combustível (mesmo com tanques adicionais), o traslado por via aérea demandaria uma rota com diversas escalas, envolvendo a autorização prévia para sobrevoar vários países, sem contar a grande distância para atravessar o Oceano Atlântico, tendo poucos pontos de apoio para um eventual pouso de emergência. Um outro caminho seria transportar o Gripen em um avião cargueiro diretamente para Gavião Peixoto, certamente uma alternativa mais rápida, porém, talvez com um valor mais elevado e certamente exigiria sua desmontagem parcial. Sem dúvidas todas as opções foram avaliadas pela equipe que gerencia o projeto e a escolha pela via marítima deve ter se apresentado mais vantajosa em termos de logística e de custo/benefício. Ao contrário do que possa parecer, essa prática é bem corriqueira em entregas desta natureza, já sendo inclusive utilizada aqui mesmo em nosso país em outras oportunidades.
Outro ponto positivo do aeroporto catarinense, além da proximidade com o porto, é a sua baixa frequência de voos comerciais e executivos, se comparada com outros aeroportos localizados em grandes centros, propiciando condições ideais para que a montagem dos equipamentos e testes em solo com o avião transcorresse da melhor forma possível. Um hangar foi previamente escolhido para receber a aeronave e foram necessários mais dois dias para o F-39 Gripen ser colocado em condições de voo, incluindo a instalação do assento ejetável com suas cargas explosivas, giro do motor, teste de taxiamento e a energização e verificação de todos os sistemas da aeronave com o objetivo de garantir a segurança e o sucesso do voo inaugural.
Enfim, o Gripen ganha os céus
Após passar mais de três semanas no mar e mais alguns dias em terra, eis que o grande dia chegou, devolvendo o Gripen ao seu habitat natural. Como um verdadeiro espetáculo a céu aberto, o dia 24 de setembro amanheceu repleto de expectativas, tendo como palco o Aeroporto de Navegantes, o público, profissionais de imprensa, toda a equipe envolvida no projeto, autoridades civis e militares, além de todos aqueles que tiveram o privilégio de presenciar este fato marcante, e claro, a estrela da festa, o F-39E Gripen. Acompanhe a partir de agora, uma sequência de fotos mostrando de forma crononógica o passo a passo deste momento histórico.
O Saab Gripen foi o vencedor em 2013 da concorrência internacional elaborada pelo Governo Brasileiro, denominada como Programa FX-2, visando o reequipamento e a modernização da frota de aviões de caça da Força Aérea Brasileira, dotando-a de um vetor de última geração em termos de desempenho, sensores e armamentos. O avião sueco desbancou em sua fase final dois concorrentes de peso, o Boeing F/A-18 Super Hornet e o Dassault Rafale. O modelo adquirido pela FAB é baseado no Gripen NG, desenvolvido pela Saab a partir do Gripen C/D já operado pela própria Suécia e diversas outras forças aéreas, entretanto, não é exagero dizer que trata-se de um avião completamente novo, tal o número de tecnologias e aperfeiçoamentos agregados ao projeto. Entre eles, está uma nova motorização, o turbofan General Electric F-414-GE-39E (gerando cerca de 25% a mais de potência que o motor das versões anteriores do Gripen), maior capacidade interna de combustível, um novo radar de Varredura Eletrônica Ativa (da sigla em inglês AESA, Active Electronally Scaned Array), o ES-05 Raven, desenvolvido pela italiana Leonardo, um painel de voo totalmente redesenhado do tipo WAD (Wide Area Display), produzido pela brasileira AEL Sistemas, além de diversos sensores e armamentos especialmente planejados para a aeronave.
O primeiro Gripen E destinado à FAB voou em agosto do ano passado e desde então juntou-se aos demais modelos de pré-produção cumprindo uma exaustiva carga de ensaios de testes em solo e em voo com a finalidade de aferir se a aeronave atende a todos os requisitos técnicos e operacionais estabelecidos no contrato. A partir de agora este exemplar dará continuidade ao programa de desenvolvimento voando a partir do território nacional, sendo avaliado por técnicos da Embraer e da Saab. Todo esse trabalho será realizado junto ao Centro de Projetos e Desenvolvimento do Gripen (GDDN, do inglês Gripen Design and Development Network) e no Centro de Ensaios em Voo do Gripen (GTFC-B, Gripen Test Flight Center Brasil), ambos localizados juntos à fábrica da Embraer em Gavião Peixoto. No momento, além do 39-6001, outros seis Gripen E estão participando da campanha de ensaios, avaliando uma série de parâmetros inerentes à operação da aeronave, tais como o envelope de voo, além de diversos sistemas e sensores embarcados. Cabe ressaltar que esses exemplares são chamados de FTI (do inglês, Flight Test Instrumentation), ainda sem vários equipamentos e a capacidade total de armamento e sistemas que a versão operacional terá a seu dispor. De acordo com o cronograma atualizado e vigente, a Força Aérea Brasileira deverá receber oficialmente seu primeiro exemplar no último trimestre de 2021 e o último, completando as 36 unidades, em 2026.
O Gripen E é um caça leve multifuncional e monomotor, classificado no jargão das aeronaves de combate como de quarta geração e meia ou 4++. Desenvolvido pela empresa Saab, sua célula é baseada no JAS-39C/D utilizado pela Suécia e por forças aéreas de mais quatro países (África do Sul, República Tcheca, Hungria e Tailândia). O contrato assinado com o Brasil contempla a transferência de tecnologia (algo essencial para a indústria aeronáutica nacional), além de diversas compensações comerciais, chamadas de offsets. A compra inicial envolve a aquisição de 36 aeronaves, sendo 28 do modelo F-39E (com um assento) mais 8 F-39F (com dois assentos), este último, até o momento, exclusivo para o Brasil. Deste montante, quinze deles, sendo oito monopostos e sete bipostos, serão integralmente construídos no Brasil, a partir das instalações da Embraer em Gavião Peixoto. Com o passar do tempo, toda a frota de aviões de combate da FAB deverá ser padronizada com este modelo, substituindo os atuais vetores de Defesa Aérea, os Northrop F-5EM/FM Tiger II e mais a frente, os aviões de Ataque e Reconhecimento, os Embraer/Alenia/Aermacchi A-1. Para tal, novos exemplares deverão ser adquiridos no futuro. O cronograma oficial prevê a entrega do primeiro F-39 Gripen operacional para a Força Aérea Brasileira no final do ano que vem e a primeira Unidade Aérea a operá-lo, será o Primeiro Grupo de Defesa Aérea, sediado na Ala 2, em Anápolis/GO.
Palavras finais
A chegada do Gripen representa um divisor de águas. É inegável o salto tecnológico que a Força Aérea Brasileira ganhará com a entrada em serviço do F-39E/F Gripen, inserindo-a definitivamente no estado da arte da moderna arena do combate aéreo, permitindo o aprimoramento e o desenvolvimento de todo um conjunto de novas doutrinas e táticas de emprego, por conseguinte, elevando o patamar operacional de suas equipagens e da força aérea como um todo. Ganha toda a indústria nacional, não apenas as empresas ligadas diretamente ao projeto ou ao setor aeronáutico, permitindo a absorção de conhecimento e o domínio de várias tecnologias de ponta que permeiam a criação e o desenvolvimento de uma aeronave de última geração, seja no projeto em si, seja na confecção e produção de componentes ou na integração de sistemas, além de incentivar a geração de empregos em todos os níveis da cadeia produtiva que envolvem um programa desse porte. Enfim, ganha o Brasil, ao adquirir um vetor com grande poder de dissuasão no sempre complexo tabuleiro de xadrez da geopolítica regional, recolocando nossa aviação de combate em termos quantitativos e qualitativos novamente na liderança continental, garantindo que nosso imenso manancial de riquezas naturais e a soberania de nosso espaço aéreo continuem bem defendidos.
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer à Assessoria de Imprensa da Força Aérea Brasileira pelo convite e pela oportunidade em presenciar de maneira privilegiada deste momento histórico, ao Comando da Base Aérea de Florianópolis, pela autorização em registrar as aeronaves destacadas para apoiar a operação de decolagem e traslado em voo do Gripen, aos profissionais de sua Comunicação Social pelo acompanhamento de pátio e demais informações, enfim, a todos os amigos que direta ou indiretamente ajudaram de alguma forma a tornar esta matéria possível.
Sensação
Vento
Umidade