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Luiz Cé B1
VALE DO ITAJAÍ

Aumento de 1m no mar exigirá ação no Vale do Itajaí

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03/07/2020 17h47
Por: Redação
Fonte: www.furb.br
(Foto: Acervo do pesquisador)
(Foto: Acervo do pesquisador)

Verões mais quentes, invernos mais frios, chuvas mais intensas e desastres ambientais mais frequentes. Dia após dia, mesmo sem que se perceba, as projeções científicas sobre o futuro do planeta se tornam uma realidade possível de se observar sem dificuldade. Mesmo em cidades como Blumenau, distantes da paisagem cosmopolita de arranha-céus e grandes nuvens de fumaça de escapamento nas ruas, os efeitos desse desequilíbrio ambiental podem ser sentidos.

A destruição deixada pela passagem do recente ciclone pelo Sul do Brasil é apenas um exemplo. Pesquisas científicas apontam que os efeitos das mudanças climáticas no Vale do Itajaí podem causar uma elevação do nível do mar em até 1 metro nas próximas décadas. Isso significa que algumas cidades correm o risco de ser inundadas, territórios inteiros engolidos pelas águas, caso não sejam adotadas medidas urgentes de prevenção.

“Tudo está conectado com tudo e nada está inteiramente isolado. E as mudanças climáticas e seus efeitos constituem grandes desafios da contemporaneidade”, analisa o geólogo Juarês Aumond, doutor em Engenharia Civil e professor da pós-graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau (FURB), que há 50 anos estuda a vida e a estrutura do planeta.

Apesar de considerar os impactos “irreversíveis”, ele entende como fundamental o esforço coletivo para o combate dessas consequências, tendo em vista a ameaça que o quadro ambiental representa para o futuro da espécie humana.

Na virada do século, o aquecimento global começou a ganhar ainda mais espaço nas conversas do cotidiano. Mesmo sendo um assunto difícil de se entender, em pouco tempo as pessoas foram inseridas em um assunto impossível de ignorar: o planeta está ficando mais quente. Mas o que isso quer dizer e, afinal, qual o problema em alguns graus a mais?

A Terra tem ficado mais quente em função do aumento do efeito estufa. O fenômeno é um elemento natural para a vida no planeta. Isso ocorre quando a superfície, no caso a terra, o asfalto, os prédios e tudo o que há ligado ao solo, inclusive os seres vivos, emitem calor que será retido por uma porção de gases muito acima das nossas cabeças em camadas atmosféricas, ou seja, em regiões a milhares de quilômetros de altura. Os gases retêm o calor, evitando que eles se dissipem para o espaço e criam o chamado efeito estufa, mantendo assim a temperatura da Terra controlada, nem muito quente, nem muito fria. O cientista alerta que a queima de combustíveis fósseis e até mesmo o lixo geram mais gases que, em contato com a atmosfera, ampliam o efeito estufa possibilitando assim que o planeta perca seu equilíbrio habitual e aumente sua temperatura.

A força da interferência humana

Nunca a atividade humana exerceu uma interferência tão forte no planeta. Com tantas mudanças, uma nova era geológica foi criada: a Antropocênica, a fim de explicar as alterações dramáticas causadas pela ação humana no sistema terrestre.

Especialista em paleoclima, ou seja, estudo do clima de milhares de anos atrás, o professor Juarês Aumond aponta que esta é a primeira vez que a atividade humana exerce uma interferência tão significativa em todo o planeta. “Pela primeira vez em 4.7 bilhões de anos uma única espécie, o homem, conseguiu emitir tantos gases do efeito estufa a ponto de Terra estar passando por mudanças climáticas causadas por uma única espécie, a nossa”, enfatiza.

O geólogo explica que nos novos tempos, os problemas passaram a ser globalizados também, e que as mudanças climáticas constituem um forte causador de novos problemas e desastres ambientais, mas, também, de novas oportunidades de mudança. “Não podemos ser tão pessimistas, né?”, reage.

Para o geólogo, os grandes desafios hoje são a crise hídrica, energética, a perda da biodiversidade, insegurança alimentar e desastres ambientais. O professor chama a atenção para o papel central que jornalistas têm no sentido de alertar a população sobre a gravidade da situação e enfatizar ações de prevenção. Essa função ganha ainda mais importância com a disseminação das fake news e movimentos que questionam resultados científicos.

“O jornalista que tem que buscar as informações, ler e interpretar”, resume Aumond, ao citar as pesquisas produzidas pelas universidades cujos resultados muitas vezes se limitam aos próprios grupos de estudo. Apesar de algumas correntes científicas negarem a existência de um “aquecimento global”, Aumond defende que há um “consenso científico” quanto à veracidade dos estudos que apontam as mudanças climáticas: “não temos que perder mais tempo com dois ou três negacionistas”, conclui.

Ele aponta o jornalismo como fundamental na divulgação dos dados que envolvem essa realidade, no questionamento da ação de governantes em relação ao meio-ambiente e, principalmente, na tentativa de mostrar como estas ações podem impactar na vida das pessoas e no ambiente em que vivem. Ainda sobre o papel da imprensa, o professor propõe o tensionamento e a desnaturalização de termos como “desastres naturais” ou “tragédias naturais”, que retiram a dimensão humana desses fenômenos, dando a entender que são apenas causados pelo clima.

Juarês Aumond sustenta sua fala com dados que explicam as mudanças das quais aborda: a população mundial aumentou cerca de dez vezes nos últimos séculos; as áreas urbanas cresceram e cerca de metade da população vive nelas; o crescimento da produção industrial no século XX; aumento do uso de energia e consumo de água; aproximadamente metade da superfície do planeta já foi alterada por causa das ações humanas.

Sobre essa nova realidade, professor Aumond relembra que o aquecimento global é responsável pela era dos extremos. “Invernos poderão ser cada vez mais curtos, mas poderão ser rigorosos, como aquele que aconteceu em 2013. E verões cada vez mais prolongados e quentes. Estiagens cada vez maiores e intensas”, alerta o cientista.

Geleiras derretem como sorvete

O relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, em inglês), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), indica que até 2100 o clima do mundo pode aquecer de 1,8 até 4,0 graus Célsius. Pense, por exemplo, no gelo. 4,0º é o suficiente para que uma pedra de gelo deixe a fase sólida e comece a virar água. O mesmo acontece com as geleiras, os grandes reservatórios de água do mundo.

Aumond viajou o globo e pesquisou as grandes geleiras do planeta, do Círculo Polar Ártico à Antártida, e afirma que o aquecimento global já pode ser facilmente identificado nessas regiões e o gelo tem sumido em locais que antes eram cobertos pelas camadas de água sólida. “É como se fosse um sorvete degelando em pleno verão”, compara o cientista, que esteve em áreas extremas como Alasca, Groenlândia e Antártida.

Além do impacto das mudanças climáticas, a ação humana também se associa a um panorama muito atual. Há uma relação direta entre a pandemia de Covid-19 que parou o mundo e a forma como nos relacionamos com o meio ambiente, na avaliação do geólogo. Para ele, novos vírus devem surgir com o passar dos anos. “Esses vírus estavam encapsulados na natureza, mas, nós alteramos de tal maneira o ambiente natural que eles passaram para os animais e conseguiram migrar para espécie humana. Mais do que isso, podemos esperar novos vírus que seguem encapsulados”, alerta.

Alerta sobre o Vale do Itajaí

As previsões sobre as mudanças climáticas no Vale do Itajaí envolvem um cenário de transformações profundas, incluindo o desaparecimento de algumas cidades litorâneas. Com base em imagens de satélite e mapas, professor Juarês Aumond explica os impactos que o fenômeno poderá causar na região, com o alagamento de até 1 metro de áreas do litoral catarinense.

Os dados fazem parte da pesquisa desenvolvida por ele com a doutoranda Alessandra Hodecker Dietrich, do programa de pós-graduação em Desenvolvimento Regional da FURB. Hoje já é possível ver consequências em cidades como Balneário Camboriú e Itajaí, com as constantes invasões do mar nas vias principais do município.

Mas projeções para os próximos 70 anos mostram que muitos locais hoje habitados e parte da cidade serão tomados pela água. Essa variação no nível do mar trará nos próximos anos a erosão e o alagamento de áreas de terra firme, prejudicando toda população que vive nas zonas costeiras. Em alguns casos, a população precisará migrar para regiões mais interioranas do continente.

Todos estes problemas, garante o geógrafo, não são exclusividade do Brasil. No mundo todo tem se visto as consequências destas mudanças, como os incêndios no último ano na Califórnia e na Austrália. Para ele, poucos países como, a Alemanha e, em partes, a França, têm se preocupado com o clima, ao contrário da China, Estados Unidos e outras grandes nações. “Lógico que isso não nos omite de nossas obrigações. Por mais pequenas que sejam [as obrigações], nós deveríamos estar fazendo”, defende o professor.

Entre as atitudes que podem ser tomadas no dia-a-dia, Aumond lista a atuação de medidas contra o desmatamento, revegetar áreas de vazios urbanos, eliminar, ao máximo, os resíduos domésticos, reciclar os resíduos que vão para aterros e lixões, diminuir a utilização, para deslocamento, de veículos, usar transporte público, quando são pequenas caminhadas fazer a pé, e exigir de governos municipais, estaduais e federais, políticas públicas adequadas.

Professor Juarês não esconde a frustração com a falta de implementação dos conhecimentos gerados por pesquisas científicas nas políticas públicas. “O mar está propício para retomar sua posse gradativamente nos próximos anos, gerando riscos para a população. Futuramente essas regiões sofrerão com o aumento do nível do mar, haverá um grande número de desabrigados e desastres”, adverte.

Pesquisador de olho em SC

Juarês Aumond possui um currículo extenso. Ele completou a graduação em Geologia no ano de 1969 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), cursou o mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 1992 e fez doutorado em Engenharia Civil também pela UFSC no ano de 2007. Antes de se dedicar com exclusividade à pós-graduação, atuou ainda como professor nos cursos de graduação de Ciências Biológicas, Engenharia Florestal, Arquitetura e Urbanismo e Química.

O professor foi um dos responsáveis por encontrar os fósseis dos animais Endothion e Labirintodonte na década de 1970, os dois com cerca de duzentos e vinte milhões de anos. Esses fósseis permitiram os estudos da relação entre a América do Sul e África, que formavam um continente.

O olhar do pesquisador se volta com atenção para o território catarinense, protagonista em desastres ambientais, como o Furacão Catarina, há 16 anos. Em 2008, as enchentes em Santa Catarina afetaram 60 cidades e mais de 1,5 milhão de pessoas foram prejudicadas e 135 vidas foram perdidas. O desastre foi provocado pela ocupação irregular do homem em áreas que teoricamente eram suscetíveis aos escorregamentos, enxurradas e inundações.

Segundo o geólogo, a catástrofe que ocorreu na época foi considerada a maior tragédia geoclimática da história do estado. Para evitar que novas situações como essa aconteçam novamente, é necessário que o poder público desenvolva ações para estabelecer intervenções urbanas mais sustentáveis. Impedir que áreas de riscos sejam habitadas, implementar planos de contingência e melhorar a gestão urbana são algumas das ações esperadas para prevenir eventos como esse.

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Apuração e produção jornalística: Bruno Teixeira Vicentainer, Carla Marina Bucci, Cláudio Scotti, Edemir Ern Júnior, Elisiane Roden da Silva, Fernanda Tenfen, Gabriela Rebelo Zimermann, Gregory Alves Martins, Heloisa Mara Alves, Ingrid Leonel de Souza, Júlia Henn Christianni, Júlia Beatriz dos Santos, Júlia Gabriela Vanderlinde, Karoline de Souza, Mayara Cristina Kôrte, Matheus de Souza Martins, Michelle Sanseverino de Mello, Paôla Fernanda Dalke, Raquel Briana Piske, Rebeca de Paula Nogueira, Taynara Schemes Macedo, Victor Vinícius de Santana Palmeira, Vinícius Peyerl Vieira, Yasmin Cristine Eble Cecheleo.

Realização e edição final: Magali Moser, professora da disciplina de Jornalismo Científico

O processo: O professor e geólogo Juarês Aumond, um dos pesquisadores que mais estuda sobre fenômenos climáticos na região, concedeu uma entrevista especial à 5ª e 7ª fases no Curso de Jornalismo da Universidade Regional de Blumenaju (FURB), na disciplina de Jornalismo Científico. A conversa focou nas influências das mudanças climáticas no Vale do Itajaí e ocorreu dia 18 de junho DE 2020 a convite da professora Magali Moser, pelo aplicativo Teams. A aula teve ainda a participação da doutoranda Alessandra Hodecker Dietrich, do programa de pós-graduação em Desenvolvimento Regional da FURB, cuja pesquisa é orientada por Aumond. 

 

Central Multimídia de Conteúdo/Curso de Jornalismo da FURB | 

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